John Hobson está ouvindo uma gravação de conversas suas com sua falecida mãe. Em sua maioria, bate-papos sobre a família.
O conteúdo, porém, está registrado em um disco de vinil que vai muito além de uma gravação de memórias.
As cinzas de Madge Hobson foram misturadas ao vinil, que traz uma fotografia e detalhes de sua biografia impressas no encarte.
“É o registro familiar perfeito, pode ser transmitido por gerações”, diz Jason Leach, de 46 anos, fundador da companhia britânica And Vinyly, que produziu o disco.
A empresa faz parte de um setor em rápida ascensão na chamada indústria da morte. As cinzas da cremação não precisam mais ser armazenadas em uma urna ou espalhadas ao vento – agora é possível vestir ou exibir uma pequena parte do que resta de seu ente querido.
Hobson, um escultor de 69 anos, diz que sua mãe, uma devota fiel de uma igreja, aprovaria integralmente a decisão.
“Eu tive que medir a quantidade de cinzas (que tinham sido mantidas em uma urna) e colocar o equivalente a uma colher de chá em diversos sacos plásticos pequenos, um para cada vinil”, explica.
No total, foram gravados 15 discos para parentes e amigos.
“Acredito que a And Vinyly ajudou, sem dúvida, a manter a memória de minha mãe viva”, diz Hobson.
Reflexão sobre a mortalidade
Leach começou a aventar a possibilidade de transformar cinzas em discos há cerca de dez anos.
Não havia um plano de negócios. Ele estava apenas refletindo sobre a mortalidade, questão que ganhou força quando sua mãe começou a trabalhar em uma empresa funerária.
“Fiquei impressionado como eu e alguns amigos quase não considerávamos ou aceitávamos nossa própria mortalidade e com o quanto muitos de nós evitamos conversas sobre a morte”, diz.
“Não era minha intenção abrir um negócio. Isso foi resultado de um pouco de diversão com algo inevitável e que no momento parecia ser chocante e desconcertante.”
O processo é o mesmo usado para fazer um disco de vinil convencional. As cinzas (humana ou de animais de estimação) são adicionadas em uma fase específica da produção.
“Há um equilíbrio entre adicionar cinzas suficientes para ficarem visíveis, mas não tanto para afetar a rotação”, diz Leach.
“Haverá, naturalmente, alguns estalos e crepitações extras provocados pela inclusão das cinzas – mas gostamos disso, já que é você “.
Os preços variam de acordo com os pedidos. Um pacote básico custa cerca de 900 libras (R$ 3,6 mil), podendo chegar a 3 mil libras (R$ 12,2 mil).
As opções incluem discos de 7 ou 12 polegadas, música composta especialmente para a ocasião, retrato pintado no disco e vinil colorido.
Demanda crescente
Leach, produtor musical e dono de um selo de músicas, grava atualmente cerca de dois discos com cinzas humanas por mês, usando os equipamentos que já possui.
Mas está no processo de angariar mais recursos para atender à crescente demanda. Ele também está se associando a empresas funerárias que vão passar a oferecer o serviço.
“O conceito se vende por si só”, diz ele.
“Claro, há aqueles que acham isso estranho, até assustador, mas a maioria das pessoas muda de ideia”, acrescenta.
E os planos para um disco próprio? O projeto inclui declarações dele, de sua companheira há mais de 25 anos e das duas filhas, além de algumas composições de sua autoria.
“Eu gosto de imaginar meus netos e bisnetos me ouvindo. Isso é o mais próximo da viagem no tempo que eu vou conseguir chegar”, diz.
Diamantes
Em Domat/Ems, na Suíça, Rinaldo Willy, de 37 anos, encontrou outra maneira de manter as memórias vivas – transformando as cinzas em diamantes.
“Fui diagnosticado com câncer aos 21 anos e, portanto, tocado pelo tema da morte”, conta.
Quando era estudante de negócios, em 2003, ele leu sobre como isolar carbono de cinzas para criar diamantes sintéticos. Um ano depois, com seu professor, fundou a Algordanza.
Um diamante é composto por 99,9% de carbono, enquanto o corpo humano tem 20%. Após a cremação, cerca de 1-5% de carbono permanece.
Os diamantes naturais – símbolos do amor e da eternidade – são criados sob uma enorme pressão e altas temperaturas dentro da Terra. Algordanza reproduz o processo em seu laboratório, criando pedras em questão de semanas.
Cerca de 85 diamantes são produzidos por mês e custam entre cerca de R$ 11,3 mil e R$ 51,6 mil.
O investimento inicial na Algordanza foi de R$ 1,2 milhão, e Willy usou todas as suas economias.
“Após seis anos, conseguimos nos pagar um salário adequado”, diz.
O negócio gera atualmente 60 empregos em todo o mundo, sendo 12 postos baseados na sede, na Suíça.
Muitos clientes da Algordanza passaram por um grande trauma.
“Temos famílias que perderam alguém em eventos e incidentes como o tsunami na Tailândia, o terremoto no Chile, soldados que perderam suas vidas em serviço no Afeganistão, no atentado terrorista em Madri, no acidente aéreo da Germanwings”, relata Willy.
Cerâmica
Em Santa Fé, nos Estados Unidos, Justin Crowe, de 29 anos, usa cinzas da cremação como matéria-prima para cerâmica.
Formado em Belas Artes, Crowe fundou a Chronicle Cremation Designs em 2016. Ele já dirigia um estúdio de cerâmica, então precisava de um investimento inicial mínimo. Mas agora arrecadou US$ 100 mil (R$ 314 mil) para uma expansão.
Um esmalte de cerâmica típico é composto de pedras, minerais e argila.
“Desenvolvemos uma receita de esmalte especial que incorpora os restos da cremação, que, em última instância, funcionam para formar o brilho que você vê na superfície da obra”, explica Crowe.
A linha de produtos Lifeware inclui vasos, urnas e copos de café. Os itens mais populares são luminárias a vela e joias. Os preços variam de US$ 195 (R$ 612) para um colar até US$ 995 (R$ 3,1 mil) para um vaso grande.
Ele recebe muitos pedidos inusitados, como por exemplo de uma mulher que queria transformar as cinzas de sua irmã e de dois cachorros em xícaras de café.
Crowe reconhece que para algumas pessoas converter alguém em um pedaço de utensílio doméstico é desrespeitoso. Mas, segundo ele, um vaso de flores ou um suporte de vela fornecem recordações diárias de seus entes queridos.
“Em última análise, as peças significam manter as memórias por perto no dia a dia.”