O Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade de jornais serem responsabilizados civilmente por injúria, difamação ou calúnia proferida por entrevistado.
A análise do caso pelo Plenário Virtual foi encerrada nesta quinta-feira (10/8). A tese de repercussão geral ainda não foi fixada, porque embora a maioria dos ministros tenha entendido pela possibilidade de condenação, há divergências sobre quais circunstâncias permitiriam a responsabilização.
O processo foi ajuizado pelo ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho, que militou contra a ditadura militar. Em entrevista dada ao jornal Diário de Pernambuco, Zarattini foi acusado por um simpatizante da ditadura de ter participado de um atentado a bomba em 25 de julho de 1966, no Aeroporto de Guararapes, que matou três pessoas. Representou o ex-parlamentar o advogado Rafael Carneiro.
O voto com maior número de adesões foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, a liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio “liberdade com responsabilidade”, admitindo a possibilidade de análise e responsabilização pela publicação de informações “comprovadamente injuriosas”.
Acompanharam Alexandre os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (aposentado), Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Para Alexandre, as acusações contra Zarattini não tratavam de fato inédito, mas de acontecimento antigo já “coberto pelo manto” da Lei de Anistia” e há indícios de que o ex-deputado não participou do atentado. O ministro também disse que o Diário de Pernambuco atuou com “negligência” ao publicar a imputação.
“Vale mencionar que eram imputações gravíssimas, em face das quais, por dever de ofício, deveria o jornal, no mínimo, ter colhido a versão daquele que estava sendo acusado na entrevista em foco, ou, ao menos, ter contextualizado a entrevista, mencionando as outras versões já divulgadas sobre o fatídico episódio, de forma que o leitor pudesse livremente decidir no que acreditar”, disse na decisão.
Alexandre propôs a fixação da seguinte tese:
A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, ntimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
Outros posicionamentos
Edson Fachin entendeu pela possibilidade de condenação, mas propôs tese menos ampla. Para ele, só é devida indenização por dano moral por empresa jornalística quando se reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, “imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção”.
Segundo o ministro, a declaração que liga Zarattini ao atentado foi dada com base em informações produzidas por governo de excessão democrática, o que exigiria cuidado redobrado do jornal quanto à publicação da acusação. A imputação foi feita pelo ex-delegado da Polícia Civil Wandenkolk Wanderley, apoiador da ditadura e de posições anti-comunistas.
“O direito à verdade, ainda que se dirija a uma atuação positiva do
Estado, tem como pano de fundo de racionalidade a impossibilidade de
confiar-se inteiramente nas informações produzidas por governos de
exceção democrática. No que concerne aos dissidentes políticos, esta
situação se torna dramática porque sua capacidade de produzir prova de
sua inocência encontra-se largamente reduzida”, disse o ministro.
“Não existindo evidência do incremento dos protocolos de apuração da verdade, é impossível afirmar que a reprodução inconteste de entrevista de indivíduo identificado como ex-policial, ex-vereador e ex-deputado
alinhado ao regime de exceção possa ser enquadrada no exercício regular
de liberdade de imprensa”, prosseguiu.
O ministro foi acompanhado por Cármen Lúcia.
Fachin propôs a seguinte tese:
Somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção.
O terceiro posicionamento que admite a possibilidade de responsabilização de jornais foi proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Para ele, só é possível responsabilizar civilmente jornais por declarações de terceiros quando, à época da publicação, havia indícios concretos de falsidade da imputação e quando o veículo deixou de observar o “dever de cuidado” na verificação da veracidade dos fatos e ao divulgar informação com indícios de falsidade.
“Na linha do que registrou o Ministro Alexandre de Moraes, cabia ao veículo de comunicação ter apresentado a versão daquele que estava sendo acusado na entrevista ou, pelo menos, mencionado as outras versões já divulgadas sobre o episódio, de modo a permitir que o leitor, de posse de todas as informações e versões sobre o caso, formasse sua
opinião”, disse o ministro em seu voto. Barroso foi acompanhado por Nunes Marques.
Barroso propôs a seguinte tese:
Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
Voto relator
O relator, ministro Mauro Aurélio (aposentado), entendeu que empresas jornalísticas não podem responder civilmente por declarações de entrevistados, desde que o jornal não emita opinião sobre o caso.
No voto, Marco Aurélio diz que empresas podem ser responsabilizadas quando cometem desvios, mas que isso não acontece quando os jornais se limitam a divulgar uma entrevista.
“A intervenção do Judiciário dá-se voltada ao controle do abuso. No
caso, a conduta do jornal não excedeu o direito-dever de informar. Entender pela responsabilização, ao que se soma a circunstância de tratar-se de julgamento sob a sistemática da repercussão geral, sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação”, afirmou. Ele foi seguido por Rosa Weber.
Marco Aurélio propôs a seguinte tese:
Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa.
Tiago Angelo é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.