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STF tem 5 votos a 0 para que religiosos possam recusar transfusão de sangue

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta quinta-feira (19/9) se testemunhas de Jeová podem recusar transfusão de sangue, e se o Sistema Único de Saúde (SUS) deve providenciar e ampliar progressivamente tratamentos alternativos.

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Relatores entenderam pela possibilidade de recusar transfusão e para SUS adequar tratamento; caso envolve religiosos

Os dois processos têm repercussão geral (Temas 952 e 1.069) e envolvem pessoas que professam a religião das testemunhas de Jeová. Os relatores são os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Há até o momento 5 votos a 0 pela possibilidade de recusa, desde que feita por maior de idade. Segundo a corrente, negativa só pode ser manifestada pelo próprio paciente, não se estendendo a terceiros.

No caso de crianças e adolescentes, os país poderiam optar por procedimentos alternativos, desde que isso não contrarie a avaliação médica. A discussão sobre o ponto foi levantada pelo ministro Cristiano Zanin e contemplada pelos relatores.

Barroso é relator do caso envolvendo o fornecimento de tratamentos alternativos que não envolvam transfusão. Gilmar relata o processo que discute a recusa à transfusão de sangue. Votaram com os relatores os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (25/9).

Incorporação progressiva

Os votos dados até o momento determinam que o SUS incorpore progressivamente tratamentos alternativos, além de assegurar procedimentos já existentes. Caso o tratamento não seja oferecido em determinada localidade, hospitais credenciados devem oferecer o tratamento, mesmo que em outro domicílio.

No caso concreto, por exemplo, o paciente testemunha de Jeová morava no Amazonas, mas se tratou em São Paulo.

Segundo os ministros, os religiosos podem assinar diretivas de vontade previamente manifestadas, que valem em caso de o paciente não poder momentaneamente manifestar sua vontade, como em um episódio de inconsciência.

Ao todo, os votos dados até o momento definem que:

  1. Testemunhas de Jeová podem recusar transfusões, mas a manifestação de vontade deve ser proferida por um paciente maior de idade, capaz, e em condições de discernimento;
  2. a manifestação tem que ser livre, voluntária e autônoma, sem nenhum tipo de coação;
  3. deve ser inequívoca. Ou seja, feita de forma expressa, prévia ao ato médico;
  4. em caso de impossibilidade de manifestação, em episódios, por exemplo, em que o paciente está inconsciente, vale diretiva antecipada de vontade, caso ela exista;
  5. a manifestação tem que ser esclarecida. Ou seja, precedida de informação médica completa e compreensível sobre o diagnóstico, tratamento, riscos, benefícios e alternativas;
  6. a manifestação de vontade vale para cada pessoa, não sendo possível decidir por terceiros;
  7. No caso de crianças e adolescentes, os pais podem optar por outro tratamento considerado igualmente eficaz, desde que não contrarie a avaliação médica. Caso contrarie, a recusa não poderá ocorrer no caso de crianças e adolescente.

Voto de Barroso

Segundo Barroso, relator de um dos casos, a discussão trata essencialmente de autonomia, o que envolve a possibilidade de que as pessoas façam livremente suas escolhas existenciais.

“A dignidade humana exige o respeito à autonomia individual na tomada de decisões sobre a saúde e o corpo. Já a liberdade religiosa impõe ao Estado a tarefa de propiciar um ambiente institucional, jurídico e material adequado para que os indivíduos possam viver de acordo com os ritos, cultos e dogmas da sua fé, sem coerção ou discriminação”, disse o ministro.

Segundo ele, pacientes que professam a religião das Testemunhas de Jeová têm direito a tratamentos alternativos já disponíveis no SUS, ainda quando indisponíveis em seu domicílio quando os métodos utilizados em seu local de residência não forem adequados.

Ainda de acordo com Barroso, tratamentos alternativos são recomendados pela Organização Mundial de Saúde. Alguns já são oferecidos pelo SUS, apesar de não estarem disponíveis de forma ampla em todo o território nacional.

“Neste contexto, o poder público deve adotar medidas para tornar esses procedimentos disponíveis e capilarizados”, concluiu o relator.

Voto de Gilmar

Segundo Gilmar, o SUS deve incorporar outros tipos de tratamento, considerando que há recomendações no sentido de adotar métodos alternativos e que esse tipo de procedimento apresenta maior compatibilidade com a liberdade religiosa.

“A implementação paulatina de procedimentos para assegurar a universalidade do serviço consubstancia fim a ser perseguido pelo Estado. Alguns desses tratamentos já são incorporados e realizados no âmbito do SUS, de modo que a liberdade religiosa impõe que se assegure às testemunhas de jeová o acesso a eles, ainda que por meio de programa de tratamento fora de domicílio”, disse.

Ainda segundo ele, não cabe a nenhum dos poderes decidir se a interpretação bíblica das Testemunhas de Jeová que impede a transfusão de sangue é ou não correta. Segundo ele, é preciso “abstenção e neutralidade”.

“O direito à vida digna parte do pressuposto de que um adulto capaz e consciente pode dirigir suas ações e condutas de acordo com suas convicções, a significar que mesmo naquelas situações nas quais atuar com a fé professada põe a própria vida circunstancialmente em risco,, subsiste o direito de escolha a determinado tratamento de saúde”, afirmou.

“Em razão da liberdade religiosa e da autodeterminação, mostra-se legítima a recusa pelas Testemunhas de Jeová de tratamento que envolva transfusão de sangue, não sendo possível ao médico impor procedimento recusado por paciente no gozo de sua capacidade civil plena, de forma livre, consciente e informada”, concluiu.

Entenda o caso

O caso ganhou novos contornos a partir da publicação do posicionamento da Procuradoria-Geral da República em setembro de 2023.

O órgão defendeu na ocasião que “há de ser resguardada, pelos que decidirem livremente exercer a sua liberdade religiosa, a recusa ao recebimento de transfusão de sangue em procedimento médico, mas a obrigação do poder público de arcar com tratamento alternativo somente alcança aqueles disponibilizados a todos pelo sistema público de saúde”.

A manifestação é assinada pelo ex-PGR Augusto Aras. Para ele, a União pode ser demandada em ações judiciais envolvendo protocolos alternativos para tratamento no SUS, o que faz parte do debate sobre o direito à liberdade religiosa das Testemunhas de Jeová.

Na ação, a União, o estado do Amazonas e o município de Manaus foram condenados a bancar uma cirurgia de uma paciente Testemunha de Jeová que argumentou pelo direito ao procedimento sem transfusão de sangue.

Além da cirurgia, município, estado e governo federal foram obrigados a arcar com passagens e traslado para outra cidade que tivesse o aparato tecnológico necessário para fazer o procedimento sem a transfusão.

Respingos

O julgamento no Supremo deve ter reflexos em situações laterais, mas que têm relação direta com a garantia dos tratamentos alternativos pelo SUS — e também podem gerar impactos orçamentários significativos, uma vez que há a necessidade de adquirir, transportar e armazenar novos equipamentos e tecnologias, além de fazer o treinamento dos profissionais de saúde.

A despeito das informações disponibilizadas pela OMS, incluindo estudos que mostram economias robustas por parte do Estado com a adoção do PBM, tratamento que usa o sangue do próprio paciente, há pouca discussão sobre a adoção do procedimento em todo o SUS.

O próprio sistema de saúde brasileiro já tem conhecimento sobre o tema, mas sua implementação tem ocorrido, em geral, por via judicial. Enquanto não há uma definição sobre o tema, hospitais públicos também têm sido condenados a aceitar o tratamento PBM.

Nesses casos, a judicialização (e a resistência por parte dos litigantes) é tão intensa que as instituições de saúde, por vezes, recusam-se até a receber o equipamento que garante o tratamento sem transfusão.

Em julho de 2023, por exemplo, a Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos de Lages (SC) teve de obrigar um hospital a autorizar a entrada de uma máquina de recuperação intraoperatória de sangue para uma cirurgia em uma testemunha de Jeová. O equipamento, apelidado de cell saver (salvador de células, em tradução livre), retira o sangue que seria perdido e o recupera para ser reinfundido no paciente.

RE 1.212.272
RE 979.742

  • é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.