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CHURRASCARIA

MP aponta ‘manobra’ da prefeitura de Três Lagoas para favorecer Financial e pede bloqueio de R$ 9 milhões

Prestação de serviço sem realização de licitação e com valor superior ao que outra empresa apresentou em cotação feita pela prefeitura, gerando danos ao cofre público. Esses são alguns dos motivos elencados pelo MPE (Ministério Público Estadual) para ingressar com ação contra o prefeito de Três Lagoas, Ângelo Guerreiro (PSDB), secretários municipais e a empresa Financial, responsável pela coleta de lixo na terceira maior cidade de Mato Grosso do Sul.

Além da condenação dos envolvidos, o MP pede o bloqueio de R$ 9.626.169,73, valor que nas contas da promotoria é a soma do dano ao erário público causado pela suposta irregularidade de 2017 até hoje, sem aplicação de juros e correção monetária. Mensalmente, o prejuízo é avaliado em R$ 310.524,83 – diferença do contrato fechado entre prefeitura e Financial e a proposta, de menor valor, apresentada pela empresa Kurica, em cotação feita em 2017.

Logo que assumiu o atual mandato de prefeito de Três Lagoas, Ângelo Guerreiro prorrogou o contrato anterior do lixo feito com a Financial. Porém, findados cinco meses de mandato e três de transição, não houve realização de uma licitação para regularizar o serviço e Guerreiro então lançou um pedido de contrato emergencial dispensando a necessidade de licitação.

Cinco empresas da área de coleta de resíduos sólidos e operação de aterros sanitários participaram da cotação, sendo que a Financial venceu, fechando contrato de R$ 3.435.047 por três meses, mesmo não sendo o menor valor apresentado na lista – o valor da Kurica foi o de R$ 2.504.473,38 pelo mesmo período de trabalho da Financial.

Levando em consideração o valor por tonelada de lixo coletado, a Financial cobrou R$ 145,73, enquanto a Kurica forneceu proposta de R$ 99. Além disso, o MP aponta que a realização de contrato emergencial e prorrogação da prestação do serviço, nesse caso, é vedado pela Lei de Licitações, o que não foi observado pela administração pública.

O caso se arrasta há anos, já somando 20,5 mil páginas, com colheita de depoimentos diversos e justificativas da prefeitura. Em uma delas, a gestão municipal afirma que as propostas foram alvo de análise técnica que indicou uma grande divergência do preço apresentado pela Kurica e o praticado no mercado e usual para a prefeitura. Para os gestores, esse ‘barateamento’ do serviço representaria risco de não execução do contrato.

‘Manobra’ da prefeitura pode ter favorecido Financial

Porém, conforme apurou a promotoria de Três Lagoas em inquérito civil, a proposta apresentada pela Kurica estava dentro da média e parâmetros da cartilha feita pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) e que trata dos custos dos serviços e custo operacional dos resíduos sólidos. Mas os problemas não pararam por aí, conforme indica os autos da ação.

Em depoimento ao MP, o diretor de Infraestrutura da prefeitura, Adriano Kawahata Barreto, frisa que não houve a referida análise técnica das “concorrentes”, já que todo preço deve seguir um padrão semelhante ao dos últimos contratos pagos nos seis meses anteriores. Os valores que ficaram abaixo disso foram descartados pois “não houve como avaliar”. Ele afirmou que estaria amparado na lei. Contudo, admitiu não ter muita experiência com a Lei de Licitações.

Já em depoimento do antigo chefe de cotação do setor de Licitação da prefeitura de Três Lagoas, foi revelado que o departamento não tinha autonomia de trabalho, atuando com “regras” ditadas pelo secretário municipal de Governo, Daynler Martins Leonel. Ele, inclusive, enviada listas de empresas a serem cotadas pelo setor, como aconteceu no caso do contrato do lixo.

O ex-gestor ainda afirma que uma cotação anterior a que terminou com a Financial como vencedora foi realizada, sendo justamente a Kurica a empresa vencedora, sem destoar da média histórica paga pela prefeitura. Porém, os arquivos de tal cotação teriam sido apagados dos computadores do setor pois não haveria interesse de outros gestores em contratar aquela empresa.

A confirmação de tal situação, de grande gravidade, ainda depende da entrega de laudos da PF (Polícia Federal) para o MP, já que computadores do setor foram apreendidos em maio de 2019 na deflagração da Operação Atalhos, referente a fraudes em contratos no transporte escolar.

Ainda de acordo com o relato pelo ex-gestor ao Ministério Público, logo após o sumiço dos arquivos foi assinado um aditivo de 6,72% pelo prefeito Ângelo Guerreiro, aumento o valor pago pela prefeitura para a coleta de lixo. Assim, o valor apresentado pela Financial na cotação anterior dentro do padrão histórico, deixando o Kurica fora da média.

MP lembra do envolvimento da Financial com irregularidades na Capital

Na petição, o promotor Fernando Marcelo Peixoto Lanza relembra o envolvimento da Financial com irregularidades no contrato do lixo em Campo Grande, já que a mesma é uma das integrantes do Consórcio CG Solurb. Ele trata o caso como “escândalo de desvio de mais de R$ 30 milhões” e frisa ainda que a Financial não está imune a críticas pelo serviço prestado, devido ao alto volume de notificações e multas emitidas pelo Imasul a mesma por causa do manejo do aterro.

“Impossível, pois, dizer que não há sequer indícios hábeis a levar à conclusão da prática de improbidade administrativa, ou ainda, que não existe sequer da demonstração da probabilidade do direito invocado”, comenta nos autos o promotor, relembrando decisão judicial de janeiro de 2018 em que foi determinada a realização de licitação em 30 dias. Contudo, a mesma não foi cumprida e a prefeitura não teria “conseguido” iniciar o processo até o momento.

Diante disso, é defendido pela promotoria a indisponibilidade de bens dos envolvidos afirmando que há risco da disponibilidade desses R$ 9 milhões “frustar eventual condenação futura de ressarcimentos dos danos” indicados no decorrer da ação.

Além do bloqueio de bens e ressarcimento dos recursos pagos irregularmente, é pedido o rompimento do contrato e suspensão de qualquer pagamento para a Financial, que também ficaria proibida de contratar com orgãos da administração pública, enquanto os gestores perderiam suas funções e teriam os direitos políticos suspensos.

Os citados na ação são o prefeito Ângelo Chaves Guerreiro, o diretor Adriano Kawahata Barreto, o secretário de Governo, Daynler Martins Leonel, e chefe de licitações Adelvino Francisco de Freiras. Além deles, constam na petição a Financial Construtora Industrual Ltda e seu proprietário, Antônio Fernando de Araújo Garcia.