STF forma maioria para invalidar pesca de arrasto no Rio Grande do Sul
cimento da arquitetura normativa da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Pesca (hoje presente na Lei 11.959/2009) pela União, os estados têm competência para editar normas destinadas a complementar a regra geral e atender suas peculiaridades locais.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta sexta-feira (30/6), para derrubar uma liminar do ministro Kassio Nunes Marques e validar trechos de uma lei gaúcha de 2018 que proíbe a pesca de arrasto em toda a faixa marítima da zona costeira do estado. A sessão virtual se encerrará oficialmente às 23h59.
A pesca de arrasto é considerada prejudicial aos ecossistemas marinhos, já que a rede de malha usada captura tudo o que encontra pela frente, e não apenas os animais que se pretende pescar.
Decisão de Celso
Na ação, o Partido Liberal (PL) pediu a suspensão da norma do Rio Grande do Sul. A legenda alegou que a competência para legislar sobre o mar seria exclusiva da União.
Em 2019, o ministro Celso de Mello, hoje aposentado, negou a liminar. Ele reconheceu que os estados também têm competência para editar leis de defesa do meio ambiente.
Na sua visão, a norma gaúcha está em conformidade com as regras da Lei 11.959/2009, que proíbe o emprego de quaisquer instrumentos ou métodos de pesca predatórios.
Por fim, o magistrado mencionou o princípio da vedação ao retrocesso social, extraído de dispositivos da Constituição. Conforme este postulado, não se pode reduzir “os níveis de concretização já alcançados em tema de direitos fundamentais”, o que inclui o meio ambiente.
A decisão do antigo relator tem 58 laudas e cita, por exemplo, relatórios técnicos de instituições de ensino que apontavam ameaça à capacidade de renovação de estoques pesqueiros e diminuição das capturas. De acordo com os documentos, o uso de redes de malha fina faz com que um grande número de peixes pequenos sejam capturados e devolvidos às águas já sem vida.
Decisão de Kassio
Já em dezembro de 2020, Kassio — que sucedeu Celso no STF e herdou a relatoria de seus processos — autorizou a retomada da pesca de arrasto no estado.
O ministro retomou o argumento da competência privativa federal. Ele apontou que, em 1983, a antiga Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) já havia editado norma para proibir a pesca de arrasto a menos de três milhas náuticas. Ou seja, segundo ele, a questão já estaria disciplinada pela União.
O novo relator da ação também lembrou de uma iniciativa conjunta entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que adotou uma política pública de desenvolvimento sustentável da pesca de arrasto. Para ele, tal iniciativa já definia uma “política pública nacional bem estruturada e definida”. O Rio Grande do Sul não estava incluso na iniciativa.
Um mês após a decisão de Kassio, o então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou uma portaria que suspendeu a modalidade no estado. Já em março de 2022, a pasta liberou a modalidade para a pesca de camarão. Um mês depois, a Justiça Federal retomou a proibição, o que foi confirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em junho. Em seguida, o Governo do RS pediu ao STF o restabelecimento dos dispositivos da norma local.
Entendimento definitivo
No julgamento do Plenário, prevalece o entendimento da ministra Rosa Weber, presidente da Corte, que divergiu de Kassio. Até o momento, ela já foi acompanhada pelos colegas Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia,
Rosa observou que a lei gaúcha não modificou os limites territoriais do mar brasileiro, nem “a titularidade da União sobre esse bem ou o regime dominial a que está sujeito”.
Para ela, a legislação estadual e nacional formam “um conjunto normativo harmônico e coerente, preocupado com a preservação do meio ambiente marinho e a subsistência econômica das comunidades pesqueiras tradicionais, predominantemente artesanais, que sofrem intensamente com a devastação ambiental praticada pela pesca industrial predatória de arrasto motorizada”.
Por fim, a ministra indicou que a iniciativa conjunta entre o país e a FAO não equivale a um acordo ou tratado internacional. Na verdade, é apenas um “convênio destinado ao intercâmbio de experiência e aprendizado, visando ao estudo, discussão e promoção de práticas sustentáveis destinadas à redução da captura acidental da fauna acompanhante na pesca de arrasto, assim como o aprimoramento dos marcos regulatórios e legais do setor pesqueiro”.
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ADI 6.218