Os direitos fundamentais das crianças e adolescentes devem ser protegidos com absoluta prioridade, inclusive para questões previdenciárias. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal garantiu a inclusão de menores sob guarda na condição de beneficiários de pensão por morte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O julgamento virtual foi encerrado na última segunda-feira (7/6).
A guarda é um mecanismo temporário no qual a criança em situação de vulnerabilidade fica sob os cuidados de uma família substituta, até o retorno à família original ou a regularização da adoção ou tutela.
A corte analisava duas ações diretas de inconstitucionalidade, ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Conselho Federal da OAB. Os órgãos questionavam um trecho da Lei 9.528/1997, que excluiu a proteção previdenciária da pensão por morte ao menor sob guarda.
Até então, a criança ou adolescente nesta condição era equiparada a filho para fins previdenciários. A justificativa para a alteração da regra foi de que havia muitas fraudes em processos de guarda, nos quais avós pediam a guarda de netos apenas para receberem a pensão.
Voto vencedor
Prevaleceu o entendimento inaugurado pelo ministro Edson Fachin. Ele considerou que o menor sob guarda ainda é protegido por um dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, que lhe garante a condição de dependente para todos os efeitos jurídicos, inclusive previdenciários.
De acordo com o ministro, a guarda é situação de fato, um dever que incumbe aos pais ou ao tutor. Negar a condição de dependente ao menor sob guarda seria privá-lo de seus direitos fundamentais.
“Pretensas fraudes supostamente ocorridas em processos de guarda não são justificativa para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus direitos previdenciários”, indicou Fachin. Para ele, há outros meios para combater fraudes sem vedar direitos.
Fachin foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Esta última ressaltou em seu voto: “Deve-se conferir prevalência à norma protetiva específica do ECA sobre a lei geral previdenciária, a fim de dar concretude à previsão constitucional de absoluta prioridade à criança e ao adolescente quanto ao gozo de direitos, sobretudo os sociais, como o previdenciário”.
Voto vencido
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, teve entendimento diferente. Para ele, “o fato de o menor estar sob guarda de um terceiro não determina, necessariamente, sua condição de dependente deste”. Segundo o magistrado, a guarda tem caráter provisório, o menor está sob os cuidados do Estado e, em muitos casos, são mantidos o poder familiar e a condição de dependência de seu genitor.
“Entender que a legislação previdenciária não poderia ser alterada para excluir o menor sob guarda do rol de beneficiários do segurado implicaria reconhecer um ‘direito adquirido’ desse menor a um determinado regime jurídico, o que é claramente rechaçado pela jurisprudência desta corte”, apontou Gilmar.
O ministro ainda lembrou que a Emenda Constitucional 103/2019, que reformou a Previdência, estabeleceu que apenas o enteado e o menor tutelado se equiparam a filho para fins de pensão por morte, desde que seja comprovada sua dependência econômica.
“Portanto, a exclusão do menor sob guarda da condição de dependente para fins de pensão por morte decorre, agora, de norma constitucional, estando superada a discussão sobre a prevalência do ECA ou da lei previdenciária”, ressaltou.
O ministro Fachin, em seu voto, havia argumentado que as ADIs não contemplaram a redação da emenda constitucional, e por isso ele não verificou a constitucionalidade do dispositivo em questão.
Gilmar foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Nunes Marques e Luiz Fux.
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ADI 4.878 e ADI 5.083
José Higídio é repórter da revista Consultor Jurídico.