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CHURRASCARIA

Na base da confiança, ‘cadernetas’ de compra sobrevivem e salvam campo-grandenses em períodos de crise

Jornal Midiamax)

Mercado, caderneta
Modelo de caderneta tradicional em um comércio na rua Brilhante (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

Da implantação dos primeiros caixas eletrônicos nos anos 80 ao advento do Pix, as transações monetárias são uma parte determinante na vida dos brasileiros e foram evoluindo ao longo dos anos. Mas mesmo com todas as soluções tecnológicas e de crédito fácil, a tradicional ‘caderneta’ para clientes ainda sobrevive em alguns comércios de Campo Grande na base da confiança, e tem facilitado a vida de muitos  dos bairros em tempos de crise.

Para o proprietário da Mercearia Brilhante, Francisco Arakaki de 52 anos, a tradição de anotar na caderneta foi perpetuada entre as gerações. “Começou com o meu pai em meados dos anos 70. Faço maias para os clientes mais antigos e não tem juros e nem promissória, tudo na base da confiança”, disse ele.

O ponto comercial situado na rua Brilhante, no bairro Amambai, aceita cartões como forma de pagamento, mas o dono explica que a tradicional anotação do mês facilita a vida dos clientes. “Tem vez que o cliente não tem o dinheiro, ai ele pega e fala que vai pagar outro dia. Por mês ou por semana eles pagam. Tem vez que ficam devendo R$ 500,00 ou 300,00. Acontece de não pagar? Acontece, de vez em quando tem um que não paga, mas os que estão aqui [na cadente] são todos confiáveis”, disse ele.

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Anotações da semana na Mercearia Brilhante (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

Sobre o motivo de manter esse costume ao longo dos anos, Francisco explica que é um forma de fidelizar o cliente. “Você cativa o cliente e quando ele estiver com dinheiro ele irá comprar com você, não virá só quando precisa”, disse ele.

O perfil desse cliente

Com mais de 30 anos de existência, um ponto comercial na rua José Garcia Lopes Filho – no bairro Oliveira 2 – já até trocou de dono e mesmo diminuindo de tamanho, a tradicional caderneta se manteve até em tempos de crise.

“A gente vendia fiado para bastante gente, mas cortamos em 90% porque depois que começou a pandemia as pessoas começaram a atrasar, ou pagavam a metade da conta e queriam continuar comprando, mas aí eu não conseguiria repor a mercadoria e não teria lucro. Hoje vendemos fiado somente para os clientes que pagam em dia”, disse o proprietário Paulo guerreiro Siqueira, de 57 anos.

Questionada sobre o perfil dos clientes que mantem esse costume até hoje, o proprietário descreveu. “Existem pessoas que conhecemos a  há mais de 20 anos. São pessoas que recebem o salário, descem do ônibus e a primeira coisa que fazem e pagar o mercado, principalmente os aposentados. Eles têm um compromisso ético de pagar o mercado e são pessoas que você pode contar, são pessoas honestas e tem caráter”, disse ele.

Mercado, caderneta
Via que fica com o comércio no Mercado Bem-Estar (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

Os controles de compra no Mercado Bem-Estar se mantem no papel, mas com uma dinâmica diferente. “A gente tem duas fichas, uma para o cliente e uma para a gente. O que a gente anota na nossa, anotamos na dele. Assim ele também tem controle e quando ele paga nós riscamos a dívida”, disse ele.

Mas afinal, porque essa prática se mantem até hoje? “Passamos cartão e pix, mas a gente mantem essa tradição pelo carinho e relação de amizade. Eles são muito fieis, e independentemente de fazer compra em mercados maiores o básico eles pegam aqui”, concluiu.

Caderneta digital

A tradição de abrir uma conta no mercado do bairro também se manteve no Jardim Ima, na rua Brasília, mas com o aditivo da tecnologia. “Não é mais a caderneta, é no sistema. Eu lanço a compra e sai o cupom fiscal, uma via ele assina e fica com o mercado e a outra ele leva. O sistema já soma sozinho, chega no começo do mês ele vem e acerta”, disse o responsável Geovanne Pires, de 24 anos.

Mercado, caderneta
Sistema de caderneta digital no Mercado Madu (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

O ponto comercial do Mercado Madu existe há mais de 40 anos, a migração para a caderneta digital veio acontecer na atual gestão. “Estou cuidando há 8 meses. Antigamente fazia na promissória e o cliente assinava, mas demorava muito para somar”, explicou.

Sobre manter o costume de vender na base da confiança, Geovanne relata que é uma questão de consideração com os clientes mais antigos. “Já tinha trabalhado aqui quando tinha 15 anos, todos os clientes antigos que compram no mercado eu sei onde moram, ia fazer entregas com a bicicleta cargueira. E até hoje são os mesmos. É muito antigo esse costume e vem de muitos anos. Fazemos por consideração [ao cliente], as vezes ele gasta a aposentadoria toda no mercado e vai anotando o que não dura o mês, assim que ele recebe ele vem e passa aqui”, concluiu o raciocínio.