Sem condições de responder às críticas, desgastado em parte da opinião pública e investigado por suposta corrupção pela Polícia Federal, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) vem recorrendo a sanções estranhas para tentar calar servidores públicos estaduais. Como apenas transferência não deu resultado, agora, o Governo decidiu, proibir um investigador da Polícia Civil de sair da cidade.
Governo pune e transfere para o “fim do mundo” policial famoso por criticar deputado evangélico
O caso mais emblemático envolve o polêmico policial Tiago Vargas, já punido com transferência da delegacia das Moreninhas, em Campo Grande, para Pedro Gomes. O Jacaré noticiou a punição e comprou outra polêmica com os moradores daquela cidade ao usar o termo pejorativo “fim do mundo”.
Como Mato Grosso do Sul ainda não é a Venezuela, Cuba ou China, Vargas não só continuou na ativa na internet, como calibrou a bateria na direção do deputado federal Elizeu Dionízio, que trocou de partido, o PSDB pelo PSB, mas continua evangélico, e o governador.
No vídeo, com mais de 56 mil visualizações, o investigador cobra coerência do parlamentar, que chegou a criticar publicamente a corrupção do presidente da República, Michel Temer (MDB), mas passou a apoiá-lo após ter emendas liberadas.
Pegando carona na greve dos caminhoneiros, Tiago relembrou a promessa do governador na campanha de 2014, na qual prometia reduzir o ICMS sobre o óleo diesel de 17% para 12%. O vídeo teve mais de 96 mil visualizações.
Na semana passa, Vargas teve as férias suspensas e foi convocado para Corregedoria Geral da Polícia Civil para apresentar provas das acusações feitas contra as autoridades, no caso, o governador e o deputado Elizeu Dionizio.
Além disso, ele foi proibido de se ausentar de Pedro Gomes, a 318 quilômetros da Capital, sem autorização do chefe imediato, e a cumprir escala de 24 horas de trabalho por 72 de descanso. Na prática, sem autorização judicial, ele fica “preso” na cidade e proibido de se deslocar até Campo Grande para ver a família.
Na manhã de hoje, o policial prestou depoimento para a corregedora-geral da polícia, Rosely Molina. Ele informou que não vai retirar os vídeos nem deixar de fazer as críticas políticas.
Filiado ao PROS e fã de juiz, investigador nega candidatura nas eleições deste ano
O investigador Tiago Vargas nega que seja candidato a deputado federal nas eleições deste ano em Mato Grosso do Sul. Ele vem sendo acusado pelos aliados do governador e do deputado de estar a trabalho do juiz federal Odilon de Oliveira, pré-candidato a governador pelo PDT.
Filiado ao PROS, o policial foi candidato a vereador de Campo Grande em 2016 e conseguiu 1.405 votos.
Neste ano, ele garantiu que não será candidato a deputado federal.
No Facebook, ele posta fotografia de capa ao lado de Odilon.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Giancarlo Miranda, destacou que as punições são ilegais. Sobre a apresentação de provas à corregedoria, ele destacou que o órgão não é competente para apurar denúncias de corrupção contra políticos.
Não é o único caso de policial punido com transferência pela atual gestão. No entanto, o investigador Ailson do Carmo de Souza, de Bataiporã, caminha para um final feliz. Esta história também começou no Facebook.
Um estudante negro pintou o muro da escola com um personagem afro. No entanto, a diretora não gostou e mandou refazer o personagem, com pele e olhos claros, porque considerou o anterior auto retrato do estudante. O policial postou uma crítica à decisão da direção da escola na rede social e a história “bombou” no município.
Resultado, a polêmica acabou no legislativo municipal e o presidente, o vereador Cícero Humberto Leite, pediu a transferência do investigador para outra cidade em abril do ano passado. Como ele estava em estágio probatório, a transferência foi feita para cidade próxima, Nova Andradina.
O investigador manteve a rotina com a família, já que os municípios são vizinhos e não se importou com a retaliação. No dia 25 de abril deste ano, ele foi surpreendido com nova transferência, de Nova Andradina para Anastácio, a 431 quilômetros de distância.
Conforme o advogado Fábio Castro Leandro, a transferência é “punição maquiada de ilegalidade”. Ele alegou que faltam policiais na 1ª Delegacia de Nova Andradina – aliás, é um problema em todos os municípios.
A defesa alega que a remoção é “verdadeira forma de punição, retaliação e represália política”. O pedido de transferência feita pelo vereador foi anexado aos autos. Na cidade, corre a lenda de que o pedido foi feito para Rose Modesto (PSDB), quando no exercício do cargo de governadora foi conferir os estragos das chuvas.
Ailson de Souza alega que a esposa tem comércio e os quatro filhos estão regularmente matriculado em Bataiporã. O advogado recorre ao tema sagrado atualmente na política brasileira, a família, para sensibilizar a Justiça a mantê-lo na região.
“A família é afirmada na Constituição Federal como base da sociedade, e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que participam da criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, defende.
O pedido sensibilizou o juiz Alexandre Branco Pucci, do Juizado Especial da Fazenda Pública, que concedeu liminar para suspender a transferência do investigador para Anastácio.
Governo diz que Polícia Civil só cumpre Lei Orgânica ao fazer remoção
O Governo do Estado negou que as remoções tenham caráter de represália ou punição por manifestações políticas. Em nota, destaca que só cumpre a Lei Orgânica da Polícia Civil e deve recorrer da liminar que suspendeu a transferência.
Confira a nota divulgada há pouco (16h35 desta segunda-feira, 4 de junho de 2018):
“A Polícia Civil informa que a Lei Orgânica da Instituição prevê que o policial civil tenha residência fixa na cidade onde ele está lotado.
É importante lembrar que o concurso público para o ingresso na Instituição é feito para o Estado de Mato Grosso do Sul, e não de forma regionalizada, portanto o servidor pode ser removido e lotado em qualquer cidade de acordo com a necessidade.
Quanto à decisão de suspensão da transferência, independente do servidor em questão, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) deve recorrer, uma vez que toda remoção é justificada, conforme necessidade de cada unidade.”
A seguir, a íntegra do questionário encaminhado pelo O Jacaré às assessorias do governador Reinaldo Azambuja e da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública:
“Bom dia,
O Governo do Estado vem transferindo policiais civis por interferência política e como retaliação. Preciso do retorno sobre dois casos, de Ailson do Carmo de Souza, de Nova Andradina para Anastácio, e de Thiago Vargas, transferido da Capital para Pedro Gomes:
- Sobre o caso envolvendo o policial Thiago Vargas. Além da transferência, feita no ano passado, a Diretoria Geral da Polícia Civil suspendeu as férias e o obrigou a permanecer em Pedro Gomes, proibindo-o de se ausentar da cidade. Qual o respaldo legal para proibir um funcionário de sair da cidade, já que a prática é comum entre fiscais de renda, bombeiros, policiais militares e civis?
- Ele foi convocado pela Corregedoria Geral da Policia Civil para provar as denúncias feitas em vídeos contra o governador Reinaldo Azambuja (PSDB), de que não cumpriu a promessa de reduzir o imposto sobre o diesel, e o deputado federal Elizeu Dinizio (PSB), que mudou de posição em relação ao Governo de Michel Temer. É proibido servidor fazer críticas com fins políticos? Qual o objetivo da abertura e procedimento?
- Ailson do Carmo De Souza, que como retaliação política seria transferido de Nova Andradina para Anastácio. Se não for retaliação, qual a causa da transferência?
- O Governo vai acatar a decisão judicial que determinou a suspensão da transferência de Ailson? Ou vai recorrer?”